terça-feira, 15 de setembro de 2009

Eu vi meus Gerais I: MG, Guimarães Rosa e a Saudade

À guisa de notas gerais...


Nada devora mais que o horizonte”.

(J. G. Rosa, “O dar das pedras brilhantes”)


Minas parece ser sempre longe, mesmo quando nela mesma. Minas, aliás, nunca é nela mesma – ou é em si mesma tanto e demais que morre de saudade de um de-fora. Estamos em Minas e ainda assim parece que Minas é aqui e muito longe, a ponto de não se alcançá-la!

Aquela uma das primeiras cenas de Campo Geral em que a mãe de Miguilim chora todas as tardes desejosa de ver as outras coisas para além do morro... Meu Deus! A mãe de Miguilim é a própria Minas Gerais? Minas é a mãe naufragada de tarde, todas as tardes, e que engendra nos filhos a incurável saudade que hão de arrastar por toda a vida?

No mineiro, a saudade é irremediavelmente um estigma.

É possível que em todo lugar do mundo não haja um só lugar como Minas Gerais: Minas ama o mundo demais. Minas morre e mata desse amor. Minas que, cercada de montanhas – ou, antes, morros e morros atrás de morros e de outros morros para além de morros mais –, instaura sua afirmação absurdamente amorosa com as políticas e o resto do mundo, chamando de Belo Horizonte a sua capital. Sim, o horizonte é belo em Minas, quanto mais por em Minas nunca haver horizontes!

Minas então só pode ser poeta, criando impossíveis incríveis e inexistenciais reais os mais prementes: a vontade de devolver ao homem o lugar de cuja saudade o mineiro ontologicamente padece.

Todos os filhos de Minas Gerais, mesmo se não o sabem, padecem dessa enorme angústia transcendente. Deus e o Diabo criaram muito Minas Gerais; olham para essa filha e choram de não acreditar nem entender.

Minas, entre seus morros, parece pedir, suplicar, pia, religiosamente, a partir daquelas mínimas planícies onde seus morros se fazem convalares: que mais a afundem. Para que as rochas soergam mais, na forma do que anunciam nas pontas terríveis lanças arredondadas pelo tempo e ambiguamente bondosas, que furam os olhos no macio rochoso delas, na agudez da saudade que aos olhos trespassa: um deus inteiro de pedra. E que há de chafurdar para mais fundo, com seu inteiro peso, as carnes humanas. Então, mais abaixo para ainda mais baixo, no lodo (Rosa, o mineiro de Cordisburgo, vaticinava que todos viemos do inferno), sejamos então condenados a sentir ainda mais saudade. Quem sabe assim a nós mesmos nos atravessemos, quem sabe assim finalmente transcendamos para o Mais.

Tamanho o amor do homem pelo homem no mundo, Minas, numa terra em que não há tremores de terra, é a concretude mítica manifesta de uma emersão do Tártaro. Alguns homens, ainda quentes de lá, como dissera aquele mesmo Rosa, só haverão de se salvar pelo radicalismo da saudade.


Reni Adriano

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