sábado, 10 de outubro de 2009

Eu vi meus Gerais XVIII: Circuito Guimarães Rosa - TONINHO SOZINHA

Num fim de tarde de julho, aportei à casa do Sr. Toninho Sozinha. Chamei do portão e um rapazinho, Sérgio, apareceu à janela: "Papai não ta. Mas, vamos entrando!". Fui convidado a me sentar em um banco na cozinha, ao tempo em que Juliana, outra filha, se desdobrava em preparar um cafezinho e cortar um frango... Conversamos os três, por um bom tempo, fiz algumas fotos daquele espaço tão agradável, até Sr. Toninho chegar.

Quando soube que eu estava ali especialmente para conhecê-lo, ficou profundamente honrado e me levou direto para o quarto, onde estava o que eu ansiava ver e sobre o que eu mais queria que falasse: as famosas sanfonas que Toninho fabrica há décadas, artesanalmente.

Tendo trabalhado ainda menino com uma tradicional família de luthiers de Belo Horizonte, Sozinha teve de se valer de inúmeras estratégias para reter o segredo do fabrico das sanfonas: perguntador que era, tirava a paciência dos trabalhadores, que insistiam em não revelar os segredos do ofício. Bom de prosa e astuto, o menino Toninho então pagava umas cachaças àqueles homens, que, satisfeitos e "altos", pouco a pouco lhe transmitiam tudo.

Resultado: Toninho Sozinha, que tem o dom de ser simples ao tempo em que resguarda grande orgulho da consciência do valor de seu trabalho, se tornou um luthier de prestígio da região, atendendo aos maiores tocadores de várias regiões do país, seja construindo poderosas sanfonas, seja consertando e afinando esses instrumentos.

Em 2008, ele esteve em São Paulo, participando do espetáculo O Sertão no Meio do Redemoinho, promovido pelo Sesc, despertando comoção e respeito.

Depois de uma longa prosa, eu já me despedia, quando Sr. Toninho me perguntou: "Você gosta de um franguinho com quiabo?". Respondi que era o meu prato predileto. "Então, a Juliana acertou em cheio. A janta está esperando. A maior honra que tive foi a sua visita hoje, moço instruído que veio me conhecer. Mais honrado ainda vou ficar, se você não for embora sem ter jantado comigo".

Jantamos aquela comida de Deus: franguinho com quiabo, arroz soltinho, feijão e angu cozidos a lenha - em prato de folha de flandres esmaltada e com colher, como Sr. Toninho gosta, me relembrando antigas finezas e requintes que fazem toda a diferença nesse dom extraordinário de bem-receber.

Saí daquela casa tomado pelo gosto, pelos sons, pela singeleza vista, pelo abraço bom e por aquele cheiro antigo que me restituía por definitivo o pertencimento que não sentia desde a infância. Passando pelo quintal, vi ainda um monte de madeira para fabrico das sanfonas, enquanto Sr. Toninho me dizia da dificuldade de encontrar matéria-prima daquela qualidade hoje em dia e outras coisas que cada vez mais educasse meu olhar para não ver madeira naquelas toras, mas sanfonas, quem sabe música.

Saí de lá, sentei-me em um banco de uma pracinha deserta atrás da igreja e chorei. Desde aquela visita, inexplicavelmente, tenho pronunciado muito, todos os dias, o nome de Deus.





Um comentário:

  1. Reni querido, é nessas horas que percebo o quanto você faz falta.
    Texto maravilhoso.
    Abraço
    -Nathália Loiola

    ResponderExcluir